segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

OSTRACIZAR OS DITADORES NÃO É "BOA POLÍTICA"


Confrontar os tiranos é melhor do que não falar com eles, defende o secretário de Estado. Lisboa não vai acolher "uma cimeira bilateral UE-Zimbabwe", alerta.
.
O que sempre faltou à Europa "é uma visão de conjunto para África, um diálogo global", diz o secretário de Estado a Envolvido na cimeira do Cairo, em 2000, Manuel Lobo Antunes diz que está "vacinado para o tipo de dificuldades" que costumam surgir no diálogo euro-africano. Sobre a cimeira UE-África de Lisboa, no próximo fim-de-semana, diz que o seu sucesso virá se as decisões ali tomadas vierem a ser aplicadas.
.
PÚBLICO - A Cimeira UE-África vai decorrer nas condições em que esperava?
.
MANUEL LOBO ANTUNES - Fazer a cimeira é já uma vitória sobre os incrédulos. Vai-se fazer e espero que bem. Estive muito envolvido na primeira cimeira [era director para África] e sei as dificuldades que tivemos na altura. Também nessa houve uma questão de participação. Do ponto de vista substantivo, foi muito difícil preparar a cimeira do Cairo. Portanto, estou um bocadinho vacinado para o tipo de dificuldades.
.
Quais dificuldades?
.
Os africanos têm um pensamento, interesses e objectivos próprios, muitas vezes não coincidentes com os nossos [dos europeus]. Quem pensa que a diplomacia africana é amadora, engana-se. Eles sabem exactamente o que querem. E negociar com eles é difícil.
.
O que é diferente desta vez?
.
Do ponto de vista da substância, e embora não esteja directamente a negociar os textos, julgo que na preparação da agenda e na discussão dos documentos as coisas têm avançado com mais facilidade e com mais rapidez de consenso e de compromisso do que da primeira vez.
.
Mas continua a haver o risco de a presença de Robert Mugabe vir a dominar a cimeira.
.
A questão da presença ou não do senhor Robert Mugabe tem dominado, do ponto de vista mediático, e eu compreendo que a opinião pública tenha interesse [nela]. Mas reduzir a dimensão de uma cimeira deste género à questão da presença de um ou de outro homem... Parece-me muito redutor. E os mediadores da opinião pública também têm a sua responsabilidade, pois há várias maneiras de se apresentar os resultados de uma cimeira.
Agora, a Europa não pode [convidar uns e não convidar outros]. Isso é inaceitável para o lado africano, como seria inaceitável se o presidente da União Africana, Alpha Konaré, decidisse seleccionar. Claro que temos de aceitar que o primeiro-ministro britânico [Gordon Brown] diga que, nessas circunstâncias, não virá. E lamentamos. E podemos dizer que, se o senhor Mugabe não viesse, facilitaria as coisas. Compreendo que é uma questão politicamente difícil para qualquer governo inglês. Agora, a cimeira UE-África pretende ser mais do que isso. Isto não é uma cimeira bilateral União Europeia-Zimbabwe. Para isso temos um quadro de relações específico, com sanções em vigor. Em segundo lugar, não podemos fazer exclusões a priori e, além disso, interrogo-me se efectivamente não é melhor discutir estas coisas abertamente.
.
Em que sentido?
.
Tenho grandes dúvidas se, no diálogo com ditadores, a boa política é a ostracização. Se, perante pessoas como o senhor Robert Mugabe, a boa política é não falar. A boa política é confrontar, olhos nos olhos. O que é melhor? Ter a ocasião para dizer "a situação no seu país é assim" e sobre ela a União Europeia "pensa isto e isto" ou ter uns líderes encurralados, isolados, criando os seus próprios esquemas de relações com outros.
.
Sete anos depois da primeira cimeira não é tempo demais para que o diálogo reiniciado se traduza agora em algo concreto?
.
É, mas a UE tem, apesar de tudo, uma ajuda para a cooperação extremamente generosa, é o maior doador internacional, com uma ajuda para África muito importante. O que sempre nos faltou é uma visão de conjunto para África. As nossas relações são bilaterais, frágeis, sectoriais, específicas. Sempre faltou um diálogo global com África. Para o ano que vem será a oitava cimeira com a América Latina, enquanto com África só conseguimos uma. Eu pergunto porquê. A América Latina tem potencialidades de mercado e de negócio que África por enquanto ainda não oferece, mas, apesar de tudo, pergunto-me se isso se justifica...
.
Por que acha que isso acontece?
.
Há uma falta de interesse, ou de conhecimento, no diálogo global estratégico com África.
.
Há falta de visão em relação a África?
.
Do ponto de vista bilateral, a UE é um doador fantástico para África, mas há uma cooperação muito dirigida para países individualizados. África tem problemas terríveis, é uma cama com lençóis curtos, onde se resolve um problema e surge logo outro. A comunidade internacional ficou fatigada.
.
A cooperação está a deixar o assistencialismo para se centrar mais na capacitação?
.
A nossa filosofia de cooperação se calhar foi errada... Nós construímos o Estado em África segundo a concepção europeia, quisemos introduzir esquemas e modelos que se adaptavam mal. O mapa das fronteiras foi desenhado por nós. Se calhar não dirigimos a nossa cooperação para as áreas mais correctas, nomeadamente para a formação do Estado. A cooperação para a segurança era uma blasfémia, a UE não tinha programas para a reforma das forças armadas, que é fundamental em África. Se não houver forças armadas estabilizadas, elas serão sempre um foco de conflito. A UE passou por cima disso e acha agora que não pode haver desenvolvimento sem segurança. Houve uma mudança de filosofia.
.
O que seria um sucesso para a cimeira de 8 e 9 de Dezembro?
.
O sucesso é mais o follow-up do que se decidir. O plano de acção tem medidas concretas, com datas, com resultados, com mecanismos de seguimento. Poderá haver um êxito político imediato, mas o que se consegue depois, a médio e longo prazo, é que é a grande dificuldade das cimeiras. O sucesso da cimeira será se as decisões vierem efectivamente a ser aplicadas.
.
Sofia Branco/Público

Nenhum comentário: